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Resenha: A Medéia, de Sêneca

Atualizado: 21 de nov. de 2021

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Capa: Pinterest.

O mito da mulher que mata seus filhos como forma de vingança contra o marido existiu na cultura popular da Grécia antiga por anos até ser retratada, em 431 a. C. por Eurípides, em forma de discurso direto, como uma peça de teatro. Mais tarde, o romano Lúcio Aneu Sêneca, traduziu a obra do grego para o latim.

A peça tem início de certo contexto dado a partir do mito de Jasão, que é ajudado por Medeia a conseguir o velocino de ouro, roubado do próprio pai. Após ter fugido de sua pátria e matado seu irmão no processo para ficar com Jasão, a neta do Deus Sol, descobre que o rei de Corinto, Creonte, faz uma proposta à Jasão de casar-se com sua filha. Buscando méritos e conforto, o marido aceita e abandona Medeia que, traída, se vê furiosa, em busca de vingança e aterrorizando sua ama que teme a ira da mulher. O rei, que também se preocupa acerca do que a feiticeira conhecida por suas barbáries é capaz de fazer, decide exilá-la, porém, esta o convence a dar-lhe um dia para despedir-se de seus dois filhos com Jasão. Medeia faz os filhos levarem de presente à nova madrasta, uma coroa e um cetro envenenados que assim que Creúsa toca, a assassina imediatamente, assim como a seu pai, Creonte, que a tenta salvar a abraçando e tentando lhe dar conforto. Logo depois disso, Medeia, buscando causar uma imensa dor a Jasão, assassina seus dois filhos à facadas e foge.

Algumas diferenças são notadas por Maria Gloria Novak (1999), a maioria dessas modificações da obra de Sêneca foram feitas ao gosto popular dos romanos. Alguns diálogos e cenas são criados pelo autor, sendo uma das principais modificações o momento em que Medeia assassina os filhos. Na peça de Eurípides pode-se apenas ouvir os gritos das crianças, mas na versão de Sêneca, a plateia pode também ver a cena.

Novak ainda expõe que Medeia é uma das maiores criações de Sêneca, pois é uma figura não humana que poderia alcançar sua “humanidade” ao decorrer da obra, mas escolhe não o fazer quando realiza sua vingança e luta contra sua consciência, que a acusa diversas vezes durante a tragédia. Porém, é preciso levar em consideração o conceito de humanidade a que se recorre. Para o dicionário de Filosofia Gérard Legrand, humanidade é o “Conjunto das características específicas e particulares ao homem, que o separam dos restantes animais”. Visto isso, é preciso que lembremos que não há em nenhum ser humano, as dicotomias “bem” e “mal” separadas em caixas, onde essas características não se encontram. Todas as virtudes e destrezas de um ser pensante mesclam-se em um período tão curto que, em alguns casos, é difícil até diferenciá-las. Em Medeia, as ações da protagonista não são movidas apenas pela paixão que sentia por Jasão, mas pela traição e por sua honra que se manchou no momento em que o marido decide aceitar a proposta do rei Creonte deixando, a esposa sozinha fora de sua terra natal e exilada da cidade que havia a acolhido anteriormente. É possível notar ainda, que a decisão de vingança de Medeia, embora alavancada e calculada por sua raiva não é feita sem escrúpulos ou mecanicamente. Fica claro ao leitor de Sêneca que características passionais, angustiantes e acima de tudo, humanas estão presentes na consciência da esposa abandonada e da mãe desesperada, como pode-se notar pelas linhas 925 – 945:

O horror abalou-me o coração, as minhas pernas estão [paralisadas de frio e o meu peito estremece. A ira abandonou o seu posto, e a esposa que há em mim foi expulsa por completo, a [mãe retomou o seu lugar. Será que consigo derramar o sangue dos meus filhos, da minha própria descendência? Ah, loucura insana, [melhor seria manter afastada também de mim essa iniquidade inaudita e essa terrível impiedade. Que crime expiarão os infelizes? Delito é ter como pai, Jasão e maior delito ainda ter Medeia como mãe. Deixá-los morrer, se não são meus; deixá-los perecer, se são meus. Neles não há nem crime [nem culpa, são inocentes, reconheço-o: também meu irmão o era. Por que hesitas, minha alma? Por que tenho o rosto [banhado de lágrimas, por que me puxa a ira para aqui e o amor para ali, deixando-me dividida? Uma maré de dois sentidos [arrasta-me, hesitante.

É esse jogo de pensamentos confusos e um coração dolorido e sôfrego que faz com que essa tragédia seja tão popular até os dias modernos e fonte de inspiração para tantos outros autores que bebem na catarse presente na obra para encantar, se enfurecer, e sofrer com Medeia.


Por: Camila Machado.

Referências:

LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Tradução por Armindo José Rodrigues e João Gama. Lisboa: Edições 70, 1986.

NOVAK, Maria da Gloria. Médée de Sénèque. (1999)



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