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Resenha: Ser ou não ser? - A catarse em “Hamlet”, de William Shakespeare

Atualizado: 29 de set. de 2021



“Ser ou não ser – eis a questão.

Será mais nobre sofrer na alma

Pedras e flechadas do destino feroz

Ou pegar em armas contra o mar de angústias –

E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; Dormir;

Só isso. E com o sono – dizem – extinguir

Dores do coração e as mil mazelas naturais

A que a carne é sujeita; eis uma consumação

Ardentemente desejável. Morrer – dormir –

Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!”


William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. Chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de “Bardo do Avon”, seus textos literários são verdadeiras obras de arte e permanecem vivas e revisitadas até os dias atuais, tratando frequentemente das contradições da natureza humana. Nascido em 23 de abril de 1564, Shakespeare casa-se aos 18 anos com Anne Hathaway, com quem teve três filhos.

Shakespeare trata em suas obras, a natureza humana em toda sua complexidade. A experiência de Hamlet, por exemplo, inquieta o leitor numa obra onde não se é possível explicitar os limites da razão e da loucura e que representa um dos maiores conflitos de identidade da literatura. Shakespeare atravessa os obscuros labirintos da mente humana, desnudando paixões, iluminando desejos, apontando grandes fantasmas que perseguem o homem desde sempre. Hamlet fala sobre o desiquilíbrio que detona um período catártico de transformação.

O teatro deste período, conhecido como teatro elisabetano, foi de grande importância, podendo-se observar nessa obra em especial, características maneiristas: o individualismo, a alienação e a metalinguagem, levantando questões relevantes a moral e ao sobrenatural – A partir do momento em que o jovem Hamlet acredita ter visto o fantasma de seu falecido pai, depois de ouvir que “há algo de podre no reino da Dinamarca”, ele não consegue mais usar a razão para controlar seus atos. O rei Hamlet e o príncipe Hamlet morrem da mesma maneira, envenenados e traídos. A metalinguagem na obra fica bem explícita no momento em que Hamlet arma uma peça chamada “A Ratoeira”, para mostrar como seu pai foi assassinado, visando atingir diretamente o rei Cláudio. O incesto cometido por sua mãe e seu tio são problemáticas sociais que estão presentes na obra, ato que fortalece ainda mais o desejo de vingança do jovem Hamlet.

As obras de William Shakespeare foram fundamentais para o marco do início do movimento renascentista elisabetano. O crítico e teórico de teatro teuto brasileiro, Anatol Rosenfeld, radicado no Brasil em 1937 para fugir do julgo nazista, tornou-se um importante filósofo, ensaísta e crítico no cenário brasileiro dos anos 60 e 70 e, em seu livro “Texto/ Contexto”, analisa as obras do escritor inglês William Shakespeare no capítulo “Shakespeare e o Pensamento Renascentista”, detalhando as principais mudanças dramatúrgicas entre o fim da idade medieval e o começo do renascentismo, mostrando ao leitor os motivos do autor ser lido e considerado até os dias de hoje um dos maiores nomes da literatura inglesa, sendo fonte de referência clássica e inspiração para jovens escritores.

Rosenfeld perpassa a era do nominalismo, conceito fundamental para a fase do modernismo e renascentismo elisabetano, onde certas doutrinas faziam parte da especificidade do ser e como sociedade representavam apenas simples “nomes”, rompendo assim, com a ideia do teocentrismo que era então, comum à época feudal. A realidade plena é atributo apenas das coisas individuais, assim então, o indivíduo passa a ser valorizado e visto como uma unidade, além de não estar mais à mercê da graça divina. Isso tudo acarreta no desuso ou desaparecimento do teatro medieval.

Na era renascentista, além do divino sair do centro do universo, ainda há nessa época, a valorização da multiplicidade dos fenômenos sensíveis, estimulando-se assim, a ciência empírica e a matemática. Passa-se a resolver problemas da vida seguindo preceitos puramente humanos, visando a emergência de afirmação do homem na história - momento em que se consolida uma visão de perspectiva histórica com tonalidade antropocêntrica. Ao que tudo indica, esses preceitos influenciaram nas escritas de Shakespeare que era um estudioso da filosofia moral e psicologia popular da época.

Harold Bloom afirma que o homem antes de Shakespeare “seria um personagem de dimensão quase inexistente”. Bloom dedicou duas décadas quase que integralmente aos estudos shakesperianos. Em “A Invenção do Mundo”, Bloom diz que Skakespeare não apenas representou, mas efetivamente criou o homem, dando-lhe a habilidade de mergulhar na desafiadora viagem do autoconhecimento pela reflexão.

Apesar de tanta mudança, ainda se nota no teatro de William Shakespeare algumas características medievais mescladas às modernidades, como o plano do palco: “a mistura das classes sociais, do estilo alto e baixo, de verso e prosa, Shakespeare segue em certa medida a tradição anterior, cujo influxo espiritual, pensamento teológico e filosófico e ideias morais ainda se notam nitidamente”. No campo das modernidades, Shakespeare traz em cada peça “um mundo novo em que não se tem mais a moldura estável da cosmologia cristã, a ordem predeterminada” (pág. 131).

Anatol Roselfeld descreve a obra “Hamlet”, de William Shakespeare como uma “peça cheia de simulação e máscaras, em que atores fingem apresentar o homem fingindo, se disfarçam em homens que se disfarçam e outros atores reais apresentam atores fictícios como se fossem reais, mostrando personagens fictícios de segundo grau a outras personagens fictícias que fingem ser o que não são” (pág. 133). Em “Ceticismo e Choque de Valores”, o autor conta que o Shakespeare coloca Hamlet como representante da dúvida pungente em todos os valores, inaugurando um despedaçamento íntimo da dor do mundo ao ser enfrentado pelos personagens solitários da obra. Um precedente então, da literatura psicológica moderna. “Hamlet chega a ser, no fundo, uma peça de dúvida atroz acerca de todos os valores e também acerca do que acontece após a morte. (...) O céu afigura-se remoto no mundo shakespeariano, os poderes divinos indiferentes ante o destino dos personagens. (...) Raramente é sugerida uma retribuição justa no Além. (...) Desdêmona (Otelo) e Ofélia (Hamlet) são apenas fracas e, ainda assim, são aniquiladas” (pág. 132). O autor também relembra que “a dúvida e o ceticismo são fatores primordiais no tecido de Hamlet. Não parece mais haver valores absolutos”.

O teórico define ainda, o homem como um microcosmo tendo uma simpatia profunda e extrema conexão com o macrocosmo – este sendo representado por todas as forças da natureza. O homem contendo em si todos os elementos do macrocosmo. O personagem Hamlet, então, no seu processo trágico de luto, vivendo um alto nível de aflição demonstra possuir dentro de si uma melancolia que é patológica. Seus humores e elementos em desiquilíbrio estariam ligados a seu tipo psicofísico.

Para concluir, Roselfeld reconhece em “Arte e História”, seu encantamento e relembra a importância do legado de William Shakespeare. Para ele, em “Hamlet”, a natureza humana é posta em questão, os impulsos são duvidosos, desmascarando a percepção imediata do mundo.

A obra se caracteriza como tragédia desde o momento em que Hamlet deseja se vingar de seu tio Cláudio que o faz tomar atitudes individuais diversas que levam à morte de muitos personagens – inclusive a sua. Apesar de toda a ira, Hamlet sempre se mostra inteligente, principalmente quando arma a peça para encenar em frente toda a corte. A alienação é decorrente da sede de vingança, as atitudes tomadas por ele mostram o quanto o personagem estava desnorteado desde o encontro com o fantasma de seu pai. Os sentimentos de perda, temor, piedade, angústia, tristeza e solidão são frutos da catarse na obra.


Por Camila Machado


Referências Bibliográficas: <http://notasdeaula.org/dir7/filosofiadodireito_15-04-11.html> Acesso em 10/ 10/ 2019

ROSENFELD, Anatol, Texto/ Contexto, Perspectiva. São Paulo. 1a. Edição, 1996

BLOOM, Harold. Shakespeare – a invenção do humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

SHAKESPEARE, Willian. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2006.



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