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Resenha: O “ANFITRIÃO”, DE PLAUTO



Estima-se que o “Anfitrião”, uma das mais famosas obras do teatrólogo latino, Plauto, tenha sido escrita por volta da metade do século III a.C. Segundo a professora Doutora da USP, Zélia de Almeida Cardoso (2008), o texto é um dos poucos escritos dessa época que chegaram até nós sem grandes problemas de integridade.

Uma das principais características da peça é o gênero em que foi escrita e como o autor decide defini-lo logo nos primeiros parágrafos, tendo o deus Mercúrio explicando algumas das peculiaridades da estória e a nomeando uma tragicomédia. A peça é a única do gênero trazendo deuses como protagonistas.

Sou deus, de modo que, se quereis, mudo já isto; farei que de tragédia passe a comédia, e exatamente com os mesmos versos. Quereis que sim ou que não? (...) O que eu vou fazer é que seja uma peça mista, uma tragicomédia, porque me não parece adequado que tenha um tom contínuo de comédia e peça em que aparecem reis e deuses. E então, como também entra nela um escravo, farei que seja, como já disse, uma tragicomédia. (PLAUTO, 46)

A obra se encaixa numa tendência dramática que surgiu na Grécia por volta de 336 a.C., a Nova Comédia, tendo como principal traço narrativo uma forma divertida de tratar assuntos mais sérios.

O tópico central da peça de Plauto, o que define o caráter cômico, é o Duplo, já que é a partir da duplicação do protagonista, Anfitrião, que se seguem diversos equívocos e confusões entre os personagens da obra. Esse assunto se manifesta em dois momentos durante a obra: quando o deus Júpiter se apaixona por Alcmena e se transforma na figura de seu marido, Anfitrião, a fim de passar a noite com ela, e na transfiguração de seu filho, Mercúrio, em Sósia, escravo de Anfitrião, para cobrir o plano de seu pai.

A temática do Duplo se manifestou de diferentes maneiras no decorrer da história, desde as formações das sociedades clássicas até a modernidade. Chevalier e Gheerbrant (1996) afirmam que o tema sempre esteve presente na sociedade.

Sósia, ao encontrar seu duplo, se vê em um estado extremo de confusão, chegando a duvidar da própria identidade e pedindo a Mercúrio, que ocupa o lugar de Sósia, que o explique quem ele realmente é

Sósia: Então quem sou eu se não sou Sósia? Não farás o favor de me dizer?

Mercúrio: Quando eu não quiser ser Sósia, podes tu ser Sósia, mas enquanto eu o sou, olha que apanhas se não te vais sem pio.

A partir disso, pode se notar o que diz SOUZA (2008), “o homem fica fraco sempre que se confronta com seu duplo”. Podemos perceber essa característica em diferentes obras literárias com a temática do Duplo, uma delas, por exemplo, escrita por Edgar Allan Poe, no século XIX, William Wilson, quando o encontro com seu duplo leva ao declínio de seu ser e a corrupção de sua alma. O olhar para si mesmo seria demais para o ser humano, tendo a confirmação de que não é quem o pensou ser a vida toda, tendo como espelho alguém que nega sua existência como conhecida até o momento. A partir do encontro de escravo e deus, Sósia abdica de sua própria identidade em favor de Mercúrio, que o diz ser ele.

A mesma perda de identidade acontece também com Anfitrião:

Mercúrio: Vai para o inferno! Eu não tenho outro dono senão Anfitrião!

Anfitrião: Ter-me-ei eu transformado? Que coisa extraordinária, que Sósia não me reconheça! Vamos investigar isto. Dize-me lá quem te pareço? Não sou Anfitrião?

Mercúrio: Anfitrião? Estás doido! (...) (Idem, p. 87)

O Duplo dentro da peça age instrumentalmente em função da comicidade da obra. É a partir do encontro de Sósia e Anfitrião com seus duplos que se dá toda a estranheza e desconforto, não só dos que se viram transformados, mas também a todos que presenciam o acontecido, como podemos notar a partir da fala de Bleferão, tio de Alcmena:

Por Júpiter! Que vejo eu?! Este não é Anfitrião; aquele é que é Anfitrião! Se fosse este (mostrando Anfitrião) não era aquele (mostrando Júpiter), a menos que seja duplo.

A tragicomédia plautiana, além de ser pioneira do gênero, ainda aborda muitos séculos atrás, a temática da identidade do indivíduo, assunto que é de preocupação da sociedade contemporânea. A perda da identidade na obra faz emergir o mais desesperador do ser humano para que o leitor perceba que esse também o é o mais engraçado.


Por Camila Machado


REFERÊNCIAS:

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gostos, formas, figuras, cores, números. Trad. Vera da Costa e Silva... [et al.]. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

Itinerários, Araraquara, n. 26, 15-34, 2008

PLAUTO. Anfitrião. In: SILVA, Agostinho da. A comédia latina: Plauto e Terêncio. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s.d.

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