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Resenha: Frankenstein ou o Prometeu Moderno



O que faz uma história de terror ser popular durante 200 anos? Frankenstein sofreu várias adaptações, estando primeiramente no teatro, e depois aparece no cinema, no rádio, na televisão e até mesmo em quadrinhos. A obra ainda hoje, é recorrente. Na presente resenha, observaremos como o romance é intrigante, marcante e significativo mesmo depois de séculos após sua publicação. Assim como a criatura acabou por se tornar sinônimo do nome Frankenstein, o livro de mesmo nome, se tornou sinônimo da escritora inglesa Mary Shelley.

Em 1815, a autora britânica Mary Wollstonecraft Shelley, aos seus dezenove anos, participava junto de seu marido, Percy Shelley, e os amigos do casal, Lord Byron e John Polidori, de uma pequena competição de escrita de contos de terror. O verão à beira do Lago Léman nesse ano foi mais escuro do que o de costume devido à erupção do vulcão na Indonésia no ano anterior, que lançou toneladas de poeira na atmosfera bloqueando o sol. Isso obrigava os amigos que passavam as férias em Genebra, na Suíça a ficar mais tempo dentro de casa, levando-os a criação da competição como uma fuga do tédio.

Ao tempo que Polidori finalizara o conto ao qual deu o título de “O Vampiro”, Byron escrevera um conto que mais tarde usaria em seu poema “Mazzepa”, e Mary ainda pensava nas características que queria em seu conto de horror. Ela sabia que para vencer o jogo, o conto teria de ser “uma história capaz de falar aos misteriosos temores de nossa natureza e de despertar um horror arrepiante – uma história que fizesse o leitor ter medo de olhar à sua volta, que congelasse seu sangue nas veias e lhe acelerasse as batidas do coração”. Em certa noite tempestuosa, após ouvir algumas conversas de seu marido com Lord Byron sobre a origem da


¹Acadêmica do curso de Letras da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

vida, a escritora sonha com um estudante que dá vida a uma criatura e com o incentivo de seu marido, começa a escrever o que viria a ser seu primeiro livro, Frankenstein, obra que seria considerada então, o primeiro romance de ficção científica.

A primeira versão do romance foi publicada com o pseudônimo da autora, em 1818 e gerou especulações em torno da família de Mary, levando leitores a acreditarem que o livro teria sido escrito pelo pai da autora, o filósofo William Godwin ou por seu marido, Percy. Posteriormente, em 1831 a versão definitiva do livro foi publicada, já com créditos à Mary e com a introdução de Percy Shelley. O livro mescla o clima sombrio à fortes traços do romantismo do século XVIII.

Não é de se espantar que Mary Shelley tenha trazido tantas questões sociais fundamentais da época e que ainda hoje são recorrentes, sendo filha de dois grandes intelectuais e escritores, William Godwin, filósofo e a pedagoga, Mary Wollstonecraft sempre fora encorajada a escrever pelos pais.

A autora traz logo de início o capitão Robert Walton que por meio de suas epístolas repletas de saudade à sua irmã Margaret, sabemos que está ao caminho do Norte, em uma missão marítima. Eis que um dia, o capitão ajuda uma pessoa à deriva. Essa em questão, é Victor Frankenstein, que passa a lhe narrar uma história que o aterroriza tanto, a ponto de ele tomar nota de tudo para reconta-la a Margaret.

Conhecemos então Victor e sua paixão pela ciência, que o faz até mesmo abandonar sua amada, Elizabeth para estudar. Ele relata sobre a ambição que nutria desde pequeno e de como chegara sedento pelos estudos de ciências naturais e pelos experimentos na universidade. Ele cita Luigi Galvani, que norteou seus estudos e a vontade de fazer algo grandioso no ramo da medicina. Após juntar por várias semanas, partes de corpos humanos que recolhia no cemitério, seguindo os estudos galvânicos, Victor reanima o corpo em que ele trabalhara para “construir” com tanto afinco. A busca consiste em uma das partes mais bizarras do livro, com a ideia de juntar várias partes de cadáveres para constituir um corpo. No entanto, quando ele por fim, consegue dar vida à criatura, abandona-a, amedrontado por sua figura; o que pode decepcionar os leitores que conhecem o monstro por suas adaptações cinematográficas, pois não temos a euforia do doutor quando ele consegue finalizar sua obra. Ficamos esperando, no mínimo, uma frase clássica como a dos cinemas, em que o vibrante doutor Victor Frankenstein, se vê tão feliz com o término de seu trabalho que grita “Está vivo! ”, várias vezes como na versão de James Whale (1931). Porém a autora nos entrega um criador com asco de sua invenção desde os primeiros momentos que a avista:

Eis que, terminada minha escultura viva, esvai-se a beleza que eu sonhara, e eu tinha diante dos olhos um ser que me enchia de terror e repulsa”. (Capítulo V)

Já a essa altura da narrativa é possível perceber a irresponsabilidade do doutor Frankenstein ao criar um ser que até mesmo aos seus olhos era monstruoso e fugir disso, como se o “problema” fosse solucionar-se sem sua ajuda. Chama-o de “demônio” diversas vezes por conta de sua aparência física, mas não pensa em nenhuma forma de resolver a situação que ele próprio criara.

Depois de um tempo não especificado na obra, Victor, de volta ao seio de sua família, recebe a notícia de um crime que está diretamente ligado a ele. A partir daí a vida do doutor é assolada por uma série de infortúnios e podemos verificar como a ambição do homem se torna inconveniente à sua própria existência. Certa situação leva-o então, ao encontro do monstro do qual vinha fugindo desde o momento de sua constituição. Ele então, é obrigado a ouvir tudo o que se passou com a criatura desde que a abandonara em seu laboratório.

A gigantesca figura demonstra uma grande mágoa com o mundo após ter cultivado amor e admiração à humanidade por muito tempo e ter recebido apenas ódio em retorno. Ele relata à Victor que passou algum tempo estudando e tentando entender sua função no mundo. Conta que buscava apenas aceitação, mas ao invés disso, tudo o que conseguiu foi o desconhecimento e a abominação das outras pessoas. Diante disso é quase impossível não comparar a criatura de Frankenstein às minorias da sociedade, que suportam marginalização, incompreensão, exclusão e na maioria das vezes são vistas com desconfiança por outras pessoas. É nesse momento que começamos a nos questionar quem é o verdadeiro monstro no livro. Mary Shelley nos exige a reflexão sobre os padrões de aceitação enquanto indivíduo social impostos pela sociedade. Questões como o preconceito e a discriminação são claramente tratadas pela autora, que mostra como a aparência por vezes é prioritária e como algumas pessoas a-colocam acima das emoções e sentimentos.

Fica evidente que a vida em grupo é fundamental no processo de humanização do ser, e que “a socialização é o momento de troca de experiências e saberes entre indivíduos [....] Um processo de interação que só se efetiva em sociedade, na participação e convivência com o outro” (PINTO, 2006, p.13). Cabe a nós ainda, leitores atuais, levar em consideração o tempo passado desde a escrita da obra. Percebemos então, o motivo do romance manter-se tão popular depois de dois séculos.


Por Camila Machado


Referências bibliográficas:

· KAPPLER, CLAUDE. Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média São Paulo : Martins fontes, 1993.

· CRISTÓFANO, Sirlene. O diálogo entre cinema e literatura em Frankenstein. Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. Raído, Dourados, MS, v. 4, n. 7, jan./jun. 2010. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/595/536

· PINTO, Suely Lima de Assis. A socialização humana e a internalização da cultura. Revista Eletrônica de Educação do Curso de Pedagogia do Campus Avançado de Jataí da Universidade Federal de Goiás. Vol. I – n. 2, jan/jul, 2006. Disponível em: revistas.jatai.ufg.br/index.php/itinerarius/article/download/184/172.


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