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Ensaio: O Mito de Prometeu Acorrentado - Ésquilo

Atualizado: 29 de set. de 2021



Para Ésquilo, do sofrimento advém a sabedoria (C. R. Brandão, 1985)


Nas obras do teatro grego, as tragédias não são restritas apenas aos pobres mortais, os deuses também caem em desgraça. Ao contrário de muitas tragédias gregas - a exemplo Édipo, Rei – a narrativa “Prometeu Acorrentado”, uma das mais importantes obras da tragédia grega, contada por Ésquilo, inicia-se já com uma grande tragédia. Baseada no mito de um herói, Prometeu é considerada um eco artístico da situação vivida pelos gregos na época em que foi escrita – principalmente dos gregos que cultuavam Dionísio, já que se sabe que, o culto ao deus dos camponeses era intensamente incentivado pelos governantes.

Nos cultos à Dionísio, havia grande bebedeira, êxtase, e entusiasmo, então o participante poderia a partir daí transformar-se em homo dionysiacus, e podia libertar-se das amarras sociais, éticas e políticas, ultrapassando o métron, a medida de cada um. Ultrapassando o métron, o homem passava a não ser mais ele próprio, tornando-se outro e, assim, cometendo uma hybris, violência contra si mesmo e contra os deuses. Isso provocaria então, uma punição divina. Essa desobediência à ordem divina era também, de certa forma, uma desobediência ao Estado, o que correspondia à situação social do mundo grego da época. (relação entre tragédia e realidade)

No passado anterior, com a velhice, Cronos, Deus dos deuses primeiros, é avisado por um oráculo de que será destronado por um de seus filhos, assim sendo, começa a devorá-los. Com a ajuda da mãe, Reia, Zeus consegue fugir para longe de seu pai. Depois de um tempo, ele volta e trava uma luta contra Cronos e com a ajuda de Prometeu consegue aprisioná-lo nas profundezas do Tártaro. Zeus torna-se então Deus do Olimpo, e com o poder de tal, decide exterminar a humanidade. Como Prometeu se opõe à essa decisão, Zeus o castiga ordenando que Hefesto - o deus ferreiro, prenda-o ao monte Cáucaso, de onde ele não poderá se soltar. O lugar onde Prometeu é preso diz muito sobre quem ele é, já que não poderia ficar em cárcere qualquer, a altura do monte representa bem a divindade e grandeza do Titã. Prometeu não se julga culpado, pelo contrário, sente-se injustiçado e nunca pede misericórdia ou clemência a Zeus, muito menos, volta atrás em sua decisão de ficar do lado da raça humana. Depois de se recusar a revelar a Zeus o nome de quem o libertará, num ato de coragem, orgulho e resistência, o castigo de Prometeu se agrava. Ele então, passa a conviver com uma águia que passará todos os dias para comer seu fígado, que se regenerará todas as noites, a fim de servir como alimento para a mesma águia no dia seguinte.

A hamártia no mito de Prometeu acontece quando ele intervém a favor dos humanos e não permite que Zeus elimine-a da terra. Prometeu concede "aos mortais, honras que transcendem o que é justo", como ele mesmo o diz em certo ponto da narrativa conversando com Hefesto, "Mas eu sabia tudo isso. Cometi esse erro por querer, por querer - não o negarei. Para valer aos mortais, eu próprio vim cair na desgraça. O posicionamento de Hefesto, que se apieda de Prometeu, dá profundidade ao tamanho da injustiça cometida contra o Titã:

“Eis tua recompensa por haver querido agir como se fosses benfeitor dos homens. Deus descuidoso do rancor dos outros deuses, quiseste transgredir um direito sagrado dando aos mortais as prerrogativas divinas; e como recompensa permanecerás numa vigília dolorosa, sempre em pé, sem conseguir dormir nem dobrar os joelhos. Terás tempo bastante aqui para externar teus gemidos sem fim e vãs lamentações; é sempre duro o coração dos novos reis.” (ÉSQUILO, 1993, p. 16)

Já a catarse, fator que leva o público a se identificar com a peça, ocorre quando sentimos que Prometeu é inocente, e que a ele foi imposto um castigo terrível demais, já que seu único "erro" foi amar demais sua própria criação. Além disso, demonstra que os homens podem receber "castigos" injustos dos deuses, que o sofrimento pode vir de um deus tirano, já que Zeus não se aparenta com um deus que é todo amor e se parece muito mais com o deus retratado no velho testamento. Prometeu também diz que seu salvador será um humano, dando ao público a sensação de que o homem pode transpor os deuses.

Sobre a mimese, pensamos em Prometeu, que já era um deus, e é retratado como um herói na narrativa, acaba por tornar-se ainda mais divino estando sempre ao lado dos humanos mesmo sob ameaça de Zeus. Ele sabia do castigo que viria e, mesmo assim intercedeu em favor de sua criação, agindo de maneira corajosa e altruísta. Com o caráter heroico, divino e de comportamento obstinado mesmo em face de seu castigo, Prometeu é mais que um “personagem” que gera identificação, ele se mostra como um exemplo a ser seguido, copiado.

Para Vernant (1991), a semelhança entre o mundo divino e o mundo real é um dos temas principais. O autor diz que, na obra, eles se refletem o tempo todo. Os conflitos divinos correspondem aos conflitos humanos, sendo essa, uma característica dos teatros de Ésquilo. Em Prometeu Acorrentado, o herói é retratado como imposição a autoridade maior e tirânica, Zeus., o que também pode ser interpretado como relação entre escravo e senhor soberano.


Por Camila Machado


Referências Bibliográficas:

BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego: tragédia e comédia. São Paulo: Vozes, 1985.

VERNANT, Jean-Pierre. Mito e tragédia na Grécia antiga. São Paulo: Brasiliense, 1991.

CARLSON, Marvin. Aristóteles e os gregos. In: Teorias do Teatro: estudo histórico crítico, dos gregos a atualidade. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Unesp, 1997. pp. 13-19

LESKY, Albin. A Tragédia Grega. São Paulo: Perspectiva, 1976.

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